No último dia 13 de março, em meio aos horrores da pandemia, um grupo de pesquisadores do Instituto de Física e Tecnologia de Moscou, do Laboratório Nacional de Argonne e da ETH Zurique, publicou um artigo no jornal Scientific Reports intitulado “A Seta do tempo e sua reversão no computador quântico da IBM”. O artigo desencadeou uma série de manchetes sensacionalistas, do tipo “Cientistas Revertem o Tempo num Computador Quântico”, insinuando ter ocorrido uma façanha tecnológica importante no campo da moderna Física Quântica: a solução do problema das viagens no tempo.

Como sempre, a verdade é bem mais sutil. Os cientistas não viajaram no tempo, nem fizeram uma partícula fazer isso. A “flecha do tempo” é um fenômeno peculiar da física. As leis fundamentais da natureza são simétricas no tempo. Isso significa que não há uma direção em que o horário deve transcorrer. Na matemática das leis fundamentais da Física, o passado pode ser o futuro e o futuro pode ser o passado.

Um exemplo simples, porém esclarecedor, é o do movimento da Terra ao redor do Sol. A Terra tanto pode girar em torno do Sol no sentido horário quanto no sentido anti-horário, sem alterar em nada as equações dinâmicas do sistema solar. Se revertermos o movimento da Terra ao redor do Sol, nenhuma lei que rege o sistema solar será violada. Há, contudo, uma grande exceção nisso. A Segunda Lei da Termodinâmica (SLOT), que afirma que a entropia (a medida de propagação da energia) de um sistema só expande. O SLOT impede o tempo de ser revertido, porque implicará na diminuição da entropia. É a única lei da Física que demonstra uma direção preferida na evolução dos sistemas dinâmicos.

Tomemos, por exemplo, um ovo caindo no chão. Você solta um ovo de uma altura e ele se esmigalha contra o chão. O ovo cai no chão e é espontaneamente quebrado em pedaços. Contudo, isso não pode ser revertido. Não há como espontaneamente reagrupa-lo novamente dentro da casca. É isso que significa a expansão da entropia – um sistema sempre vai da ordem para a desordem. Essa é a direção preferida da natureza.

À medida em que envelhecemos nossas células se deterioram, se degradam e se desintegram. Mas nós mesmos não vamos a lugar algum, não envelhecemos no sentido de “avançar no tempo”. O que acontece é a direção preferida (e única) em que se desloca um sistema dinâmico, no caso o nosso corpo.

O sentido em que o tempo se desloca é um só.

Isso é o que significa a “Seta do Tempo” – uma direção preferida na qual os sistemas dinâmicos progridem. E a Segunda Lei da Termodinâmica trata desse avançar do tempo. É intrigante porque, a Termodinâmica é tão somente uma manifestação macroscópica das leis da física quântica estatística. A Física Quântica Estatística, que descreve o comportamento das partículas atômicas e subatômicas, não possui uma direção preferida para a progressão de um sistema dinâmico, ou seja, nela não há Flecha do Tempo. E o que é pior, ainda não há uma explicação convincente para essa discordância entre a Física Quântica Estatística (Microscópica) e a Termodinâmica (Macroscópica).

Um dos maiores obstáculos para se inventar uma máquina do tempo é o SLOT (Segunda Lei da Termodinâmica). Qualquer coisa semelhante a uma máquina do tempo violará o SLOT. O que os noticiários sensacionalistas fizeram foi afirmar a violação do SLOT. No entanto, nada disso aconteceu, porque os físicos noticiados não reverteram a flecha do tempo. O que realmente aconteceu no episódio, foi que algumas pessoas imaginaram ter sido demonstrada “uma dinâmica de tempo retardatária de um elétron no computador quântico da IBM”

O que os físicos realizaram no experimento foi a redução do tempo de duração transcorrido na direção do passado, como o retrocesso de um programa em vídeo. Pense no computador quântico como se fosse o seu computador. E imagine retroceder a apresentação de um vídeo que você está assistindo nele. Claro, nesse caso você pode ver o vídeo de um ovo se quebrando no chão ao reverso, mas não é o mesmo que ter o ovo inteiro na sua mão novamente.

Para esclarecer um pouco mais, vamos estabelecer que eles criaram um algoritmo quântico que faz isso. Um algoritmo projetado para funcionar em computadores quânticos e usado na máquina pública da IBM para rodar um programa quântico que inclui conjugações complexas e, portanto, reverte o estado quântico da equação. Por essa razão é que fizeram nas manchetes sensacionalistas a referência ao computador da IBM.

Embora o artigo tenha tido grande repercussão da mídia, o resultado nele descrito é, em última análise, um algoritmo quântico de trabalho em um computador quântico, só isso. É útil, mas não muda a realidade.

A razão pela qual devemos refletir sobre isso é por causa do efeito deletério que o sensacionalismo causa na pesquisa científica mais sutil. O uso da expressão computador quântico nas manchetes confunde o leigo, para quem essas notícias enfatizam ainda mais a noção de que os cientistas já conseguem viajar em direção ao passado. E tudo isso leva o público a acreditar que a ciência é muito obscura e ‘estranha’ para que possamos compreender.

Extraído da Revista Medium, de artigo publicado por Abinah Chackraborty em 30 de Março de 2020.

Publicado por vanaweb

Valério Azevedo nasceu na segunda metade do Século XX. O autor é, portanto, um baby-boomer. Cresceu assistindo televisão. Aos nove anos acompanhou, ao vivo, o homem caminhar pela primeira vez na superfície da Lua, porém sem cores. Há esse tempo, seriados de TV mostravam viajantes do espaço, do tempo e do fundo do mar combatendo monstros ameaçadores. Somente em 1973 a televisão no Brasil ganhou cores e ele passou a ver, sem assombro, negras silhuetas contra o céu azul despejarem a morte sobre a Indochina. Nessa época havia na casa dos seus avós um telefone que ele nunca usou. Anos mais tarde, em seu primeiro emprego, Valério conheceu o videoteipe. Invento extraordinário, que aprimorou a manipulação de imagens e sons, causando na narrativa audiovisual um sentimento algo instantâneo e urgente, e apaixonou-se por essa ideia. Pouco depois apareceram os primeiros computadores pessoais. Eles poderiam facilmente substituir máquinas de escrever e pilhas de papel, mas o autor os percebia apenas como brinquedos. Ele jogava xadrez com um deles e em sua esverdeada tela de fósforo encontrou inspiração para começar a escrever ficção. Com a chegada, no Brasil, do telefone celular e da rede mundial de computadores, em princípios dos anos 1990, a conexão entre as pessoas se intensificou incrivelmente. Ao mesmo tempo, a passagem de registros analógicos para digitais alterou de forma decisiva o modo de se produzir informação. Pouco depois da virada do milênio, o advento das redes sociais da internet foi o golpe de misericórdia na elaboração regulamentar de informações. Para o autor da página A Existência Virtual, “agora que os telefones fazem tudo, e até transmitem imagens e sons ao vivo, cada pessoa já pode se ocupar de espalhar sua precária e angustiada verdade, que a seguir se dissolverá como os entressonhos do alvorecer”. Então, decidiu retornar ao papel impresso, pois segundo ele, conforta-o a sensação do livro nas mãos e a ausência da barra de rolagem.

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