A sobrevivência de uma equipe multi-geracional geneticamente saudável constitui uma das principais preocupações das viagens para outros sistemas solares. Determinar um tamanho realista da tripulação é complexo, pois muitos parâmetros (como infertilidade, endogamia, mortes súbitas, acidentes ou eventos aleatórios) devem ser considerados na equação. É por esta razão que os cientistas utilizam o código HERITAGE de Monte Carlo para estimar a tripulação mínima para uma viagem espacial multi-geracional em direção ao planeta Próxima Centauri “B”. Ao permitir que a população da nave evolua sob uma lista de princípios adaptativos de engenharia social (ou seja, avaliações anuais da população, restrições de descendentes e restrições de reprodução), é possível criar e manter uma tripulação saudável praticamente indefinidamente. Uma quantidade inicial de 25 pares reprodutores de colonos leva a missão à extinção em 50 a 15% dos casos, se proibida completamente a consanguinidade.

De acordo com parâmetros já estudados, foi definido que uma equipe mínima de 98 pessoas é necessária para garantir uma taxa de sucesso de 100% para uma viagem espacial de 6300 anos em direção ao exoplaneta telúrico mais próximo conhecido até agora – Próxima Centauri “B”.

A estrela Proxima Centauri está a 4,2 anos-luz da Terra, uma distância que levaríamos cerca de 6.300 anos para percorrer utilizando os recursos de propulsão atuais. Essa viagem levaria muitas gerações. A maioria dos humanos envolvidos no empreendimento nunca tornaria a ver a Terra ou seu exoplaneta equivalente, na Constelação do Centauro. Esses humanos precisariam se reproduzir ao longo da jornada de uma maneira que garantisse a chegada de seus descendentes saudáveis à Proxima Centauri “B”. E isso levanta uma questão interessante.

O desafio estatístico

Qual a menor equipe capaz de manter uma população geneticamente saudável por um período tão longo?

Hoje, podemos obter uma resposta graças ao trabalho de Frédéric Marin, da Universidade de Estrasburgo, e Camille Beluffi, da empresa de pesquisa Casc4de, ambas na França. Eles calcularam a probabilidade de sobrevivência para missões de vários tamanhos e as regras de criação que serão necessárias para alcançar o sucesso.

Primeiro, alguns antecedentes. Cientistas e engenheiros espaciais estudaram várias maneiras de alcançar estrelas próximas. O problema, é claro, são as vastas distâncias envolvidas e as velocidades possíveis que uma espaçonave humana pode alcançar. A Apollo 11 viajou a cerca de 40.000 quilômetros por hora pra ir à Lua, uma velocidade que despenderia mais ou menos 100 mil anos para alcançar Proxima Centauri – se os motores da Apollo aguantassem tudo isso, é claro. Contudo, desde 1969 as naves espaciais vêm se tornando mais rápidas. O foguete Parker Solar Probe, a ser lançado este ano, viajará a mais de 700.000 quilômetros por hora, cerca de 0,067% da velocidade da luz. Marin e Beluffi usam isso como a referência de velocidade possível com a tecnologia atualmente disponível. “A essa velocidade, uma jornada interestelar ainda levaria cerca de 6.300 anos para chegar ao Proxima Centauri”, dizem eles.

Selecionar uma equipe para uma jornada espacial multi-geracional não será tarefa fácil. Os parâmetros importantes incluem o número inicial de homens e mulheres na tripulação – noventa e oito –, sua idade e expectativa de vida, taxas de infertilidade, a capacidade máxima do módulo habitável e assim por diante. Também exigirá regras sobre a idade em que a procriação é permitida, quão próximos os pais podem estar, quantos filhos eles podem ter e assim por diante.

O algoritmo Heritage

Uma vez determinados esses parâmetros, eles podem ser conectados a um algoritmo chamado Heritage, que simula uma missão multi-geracional. Primeiro, o algoritmo cria uma equipe com as qualidades selecionadas. Em seguida, ele percorre a missão, simulando mortes naturais e acidentais a cada ano e verificando quais membros da tripulação estão dentro da janela de procriação permitida. A seguir, associa aleatoriamente dois tripulantes de sexos diferentes e avalia se eles podem ter um filho com base nas taxas de infertilidade, nas chances de gravidez e nas limitações da consanguinidade. Se a gravidez for considerada viável, o algoritmo cria um novo membro da equipe e repete esse ciclo até que a equipe morra ou atinja as imediações de Proxima Centauri após 6.300 anos.

Cada missão também inclui alguma catástrofe – uma epidemia, colisão com asteróide ou outro tipo qualquer de acidente – que reduz a tripulação em um terço. O algoritmo repete cada missão 100 vezes para determinar a probabilidade desse tamanho de tripulação atingir seu destino.

Uma questão fundamental é que grau de consanguinidade pode ser permitido. Marin e Beluffi medem isso usando uma escala em que a reprodução entre gêmeos idênticos registra 100% de consanguinidade; irmão com irmã, pai com filha ou mãe com filho é de 25%; tio e sobrinha ou tia e sobrinho é de 12,5%; e primos em primeiro grau são 6,25%.

Uma opção é limitar a consanguinidade a menos de 5%, para que os parceiros tenham que estar mais distantes do que primos em primeiro grau. Outra opção é estipular que os parceiros não podem ser relacionados, de modo que a consanguinidade seja zero. Marin e Beluffi usam esse segundo cenário em sua simulação. O algoritmo determina a probabilidade de sucesso em mais de 100 missões para diferentes tamanhos de tripulação inicial.

O algoritmo Heritage prevê que uma equipe inicial de 14 pares de reprodutores tem chance zero de atingir o sistema solar Proxima Centauri. Um grupo tão pequeno não tem diversidade genética suficiente para sobreviver. Pesquisadores observaram com animais que a diversidade genética de uma população inicial de 25 pares pode ser mantida indefinidamente com uma criação cuidadosa. Mas quando o algoritmo Heritage usa isso como a equipe inicial, 25 homens e 25 mulheres, ele prevê somente 50% de chance de a tripulação chegar ao destino. Isso se deve principalmente a eventos aleatórios que podem influenciar a missão.

As chances de sucesso, de acordo com o programa Heritage, não atingem 100% até que a equipe inicial tenha 98 colonos ou 49 pares de reprodutores. “Podemos concluir que, de acordo com os parâmetros usados para essas simulações, é necessária uma tripulação mínima de 98 colonos para uma jornada espacial multi-geracional de 6.300 anos em direção a Proxima Centauri”, afirmam Marin e Beluffi.

Variáveis mutantes

Mas este é apenas um trabalho interessante, que prepara o terreno para simulações mais detalhadas. Por exemplo, as taxas de fertilidade no espaço profundo podem ser bem diferentes das da Terra. E as chances de uma criança saudável resultante de uma gravidez bem-sucedida também podem ser muito menores devido às taxas mais altas de mutação devido à radiação espacial. As chances de catástrofe por causa de acidentes ou epidemias podem ser muito menores do que as chances de catástrofe causadas por fatores sociais como conflitos entre os tripulantes da nave. Tudo isso pode ser programado em uma versão mais avançada do Heritage.

Naturalmente, essas questões já foram exploradas por escritores de ficção científica. Por exemplo, no livro Seven Eves, o autor Neal Stephenson imagina um futuro em que a humanidade passa por um gargalo populacional e todos os indivíduos são descendentes de sete mulheres. Visto a partir do Projeto Heritage, o futuro imaginado por Stephenson parece altamente improvável. Mas é certamente importante considerar todas as opções, dadas as inúmeras ameaças que pairam sobre a nossa civilização.

Extraído do Estudo ‘Calculer L’équipage Minimal’, de Frédéric Marin e Camille Beluffi para a Unversidade de Strasbourg em 20 de Março de 2020.

Aspecto do amanhecer na superfície do planeta Próxima Centauri B

Publicado por vanaweb

Valério Azevedo nasceu na segunda metade do Século XX. O autor é, portanto, um baby-boomer. Cresceu assistindo televisão. Aos nove anos acompanhou, ao vivo, o homem caminhar pela primeira vez na superfície da Lua, porém sem cores. Há esse tempo, seriados de TV mostravam viajantes do espaço, do tempo e do fundo do mar combatendo monstros ameaçadores. Somente em 1973 a televisão no Brasil ganhou cores e ele passou a ver, sem assombro, negras silhuetas contra o céu azul despejarem a morte sobre a Indochina. Nessa época havia na casa dos seus avós um telefone que ele nunca usou. Anos mais tarde, em seu primeiro emprego, Valério conheceu o videoteipe. Invento extraordinário, que aprimorou a manipulação de imagens e sons, causando na narrativa audiovisual um sentimento algo instantâneo e urgente, e apaixonou-se por essa ideia. Pouco depois apareceram os primeiros computadores pessoais. Eles poderiam facilmente substituir máquinas de escrever e pilhas de papel, mas o autor os percebia apenas como brinquedos. Ele jogava xadrez com um deles e em sua esverdeada tela de fósforo encontrou inspiração para começar a escrever ficção. Com a chegada, no Brasil, do telefone celular e da rede mundial de computadores, em princípios dos anos 1990, a conexão entre as pessoas se intensificou incrivelmente. Ao mesmo tempo, a passagem de registros analógicos para digitais alterou de forma decisiva o modo de se produzir informação. Pouco depois da virada do milênio, o advento das redes sociais da internet foi o golpe de misericórdia na elaboração regulamentar de informações. Para o autor da página A Existência Virtual, “agora que os telefones fazem tudo, e até transmitem imagens e sons ao vivo, cada pessoa já pode se ocupar de espalhar sua precária e angustiada verdade, que a seguir se dissolverá como os entressonhos do alvorecer”. Então, decidiu retornar ao papel impresso, pois segundo ele, conforta-o a sensação do livro nas mãos e a ausência da barra de rolagem.

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