Muito antes das primeiras sociedades hominais se estabelecerem na Terra, os ancestrais do homem viviam em sintonia com a natureza. Antes da invenção da escrita, das cidades, das religiões e do dinheiro. Numa época na qual uns coletavam frutos e cultivavam grãos, enquanto outros caçavam ou pastoreavam rebanhos, o gênero humano estava mais conectado ao ambiente natural.

Era uma forma de viver muito simples. Do nascer do sol ao crepúsculo, homens e mulheres, jovens e anciãos, trabalhavam apenas para obter alimento, abrigo e uns poucos utensílios, visto que tudo mais obtinham no vasto armazém da natureza. Eles teciam fibras, curtiam o couro e fiavam a lã, costurando suas vestes com agulhas de osso. Da madeira ou do sílex produziam ferramentas, que embora fossem de emprego múltiplo tinham quase sempre a mesma forma. Quando desejavam se expressar faziam desenhos coloridos na rocha, pintavam seus corpos e enfeitavam seus haveres. Tudo em seu mundo era espontâneo e natural, assim como as suas crenças.

Desses derradeiros humanos naturais herdamos, em certa medida, a capacidade de interpretar, sob condições especiais, os sinais emanados do reino vegetal, reconhecendo neles as virtudes, propriedades e ensinamentos das plantas. Nossos ancestrais também sabiam que os vegetais abrigam uma vasta biblioteca de conhecimentos ocultos e, também, o meio pelo qual podemos nos conectar às inteligências que governam seu poderoso reino.

Nas tradições de origem africana jeje-nagô ou nas Santerias do mar do Caribe ou no Candomblé do Brasil, a divindade das folhas sagradas, das ervas ritualísticas e medicinais é Igba Ossain. Ele é o detentor do axé, do poder do qual nem mesmo os orixás (os seres divinos) podem se abster. Sua importância, portanto, é essencial aos ritos de magia e nenhuma cerimônia pode ser realizada sem sua interseção. As propriedades mágicas e medicinais dos vegetais são somente despertadas através de rituais sagrados de canto e oração Osasaniyn. Sem tais rituais não se obtém nenhuma eficácia de axé, restando apenas o corpo morto do vegetal sacrificado.

Muito antes das sociedades atuais conquistarem a terra, a relação com as divindades da natureza (compreender e se fazer escutar por essas forças) constituía uma habilidade corriqueira. Com o tempo e o abandono dos antigos costumes, a humanidade adormeceu para esta capacidade e hoje somente algumas culturas são capazes de invocar seus poderes.

O Ilê Ifê Ti Oxum de Mãe Amélia, em Brasília, é um desses raros lugares onde ainda podemos nos conectar às forças do mundo elemental. Nele, o conhecimento ancestral preservado por meio de rituais sagrados perpetua os saberes de um passado antigo e venerável. E o Ilê está em festa! O primeiro e mais tradicional dentre os Terreiros de Candomblé da capital do país comemora o lançamento do livro Sangue Verde, o Encanto das Folhas, dos pesquisadores Ed Machado e Cléo Martins. A obra busca resgatar a cultura africana no Brasil, ao mesmo tempo em que divulga práticas rituais com o uso de plantas no Candomblé.

No evento, o jornalista Valério Azevedo entrevista o escritor Ed Machado, que revela a magia e os mistérios de Ossain. Mas eis que um estranho fenômeno ocorre durante a gravação. Embora não haja por perto ninguém além do jornalista e do entrevistado, transcorridos dois minutos e quinze segundos do vídeo, escuta-se claramente uma voz dizer: “com licença!” É no instante em que Ed Machado está fazendo um alerta com relação ao uso responsável das folhas sagradas.

A partir deste ponto percebe-se em diversos momentos do vídeo a influência da entidade invisível sobre as respostas do entrevistado, que a certa altura parece repetir o que escuta. Aos quatro minutos e quarenta e oito segundos Ed faz uma pausa abrupta, demonstrando de forma clara escutar palavras que a seguir pronunciará.

O Encanto Das Folhas

O livro apresenta as principais folhas utilizadas no culto aos orixás, bem como os cantos dos rituais de Candomblé e pode ser encontrado no site da Metanóia Editora, por meio do link a seguir.

https://www.metanoiaeditora.com/eventos/detalhes/evento-55

Publicado por vanaweb

Valério Azevedo nasceu na segunda metade do Século XX. O autor é, portanto, um baby-boomer. Cresceu assistindo televisão. Aos nove anos acompanhou, ao vivo, o homem caminhar pela primeira vez na superfície da Lua, porém sem cores. Há esse tempo, seriados de TV mostravam viajantes do espaço, do tempo e do fundo do mar combatendo monstros ameaçadores. Somente em 1973 a televisão no Brasil ganhou cores e ele passou a ver, sem assombro, negras silhuetas contra o céu azul despejarem a morte sobre a Indochina. Nessa época havia na casa dos seus avós um telefone que ele nunca usou. Anos mais tarde, em seu primeiro emprego, Valério conheceu o videoteipe. Invento extraordinário, que aprimorou a manipulação de imagens e sons, causando na narrativa audiovisual um sentimento algo instantâneo e urgente, e apaixonou-se por essa ideia. Pouco depois apareceram os primeiros computadores pessoais. Eles poderiam facilmente substituir máquinas de escrever e pilhas de papel, mas o autor os percebia apenas como brinquedos. Ele jogava xadrez com um deles e em sua esverdeada tela de fósforo encontrou inspiração para começar a escrever ficção. Com a chegada, no Brasil, do telefone celular e da rede mundial de computadores, em princípios dos anos 1990, a conexão entre as pessoas se intensificou incrivelmente. Ao mesmo tempo, a passagem de registros analógicos para digitais alterou de forma decisiva o modo de se produzir informação. Pouco depois da virada do milênio, o advento das redes sociais da internet foi o golpe de misericórdia na elaboração regulamentar de informações. Para o autor da página A Existência Virtual, “agora que os telefones fazem tudo, e até transmitem imagens e sons ao vivo, cada pessoa já pode se ocupar de espalhar sua precária e angustiada verdade, que a seguir se dissolverá como os entressonhos do alvorecer”. Então, decidiu retornar ao papel impresso, pois segundo ele, conforta-o a sensação do livro nas mãos e a ausência da barra de rolagem.

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