Por mais de vinte anos a coleção Lugares Mágicos, da editora Eclipse, permaneceu oculta. Segundo comentários de bibliófilos e colecionadores, os quase mil volumes dessa edição única foram guardados em um armário de ferro nos subsolos da livraria da Dona Eura, em Brasília, e ao que parece havia um acordo com os editores para que os livros não fossem divulgados ou vendidos. Por causa de um rearranjo desses subterrâneos, em fins de 1998 ou meados de 1999 (a data é imprecisa) o armário foi removido e dele e de seu conteúdo nunca mais se ouviu falar. São igualmente escassas as informações sobre o autor ou autores da obra, que é de doze volumes in oitavo menor (17,0 x 10,8 cm), todos eles contendo assinalações de locais considerados mágicos (ou encantados) em diversas regiões do Brasil. 

Em 2003 encontrei em uma barraca de livros usados no Setor Bancário Sul da cidade, um exemplar do sétimo volume da coleção e reproduzo nesta publicação sua capa. Na época segui as precisas indicações informadas no livro e visitei, nas cercanias da cidade, certos mananciais, grotas e cachoeiras, ravinas e paredões, passagens por entre veredas e até mesmo algumas edificações (a maioria atualmente em ruínas), e confirmo os locais mencionados.

Em contraditório com aquilo que imprudentemente promove a capa da referida edição, declaro que o livro não é um guia de incursão segura. Os moradores de Cafuringa, um lugarejo próximo à Vereda das Almécegas, certamente concordarão comigo.

A seguir, comento trechos do sétimo volume da Coleção Lugares Mágicos, e apresento fotos que fiz em alguns dos locais indicados no livro à época da minha descoberta.

A Aldeia dos Exilados do Amanhecer

Templo do Sol e da Lua na Aldeia dos Exilados do Amanhecer. Espaço devocional dos Peregrinos de Capella, dedicado às estirpes ancestrais dos Centuriões e Ninfas de Capella, servidores do Templo e guardiões da mensagem.
Foto: Valério Azevedo ©2003

Uma pesquisa realizada em 1979 pelo Núcleo de Estudos Parapsicológicos da Universidade de Brasília enumerou na ocasião 94 locais de culto esotérico na capital da República, e outras 323 nos seus arredores. Foi a primeira vez que a Aldeia dos Exilados do Amanhecer apareceu em algum documento de interesse histórico. Os dados são esparsos mas auxiliam na obtenção de pistas a respeito da origem dos Mestres Ascensionados de Capella, dos Ciganos Terapeutas, dos Visitantes do Vale do Amanhecer e da comunidade dissidente reunida em torno da figura carismática do professor Mário Sassi, ainda no tempo dos pioneiros.

Comunidade de inspiração kardecista e caráter milenarista, a Aldeia é considerada por seus habitantes “uma reunião de espíritos” que terão de cumprir a lei do retorno. No caso, a missão de voltar à Constelação de Capella, sua pátria de origem. A Aldeia está localizada a aproximadamente vinte quilômetros do centro de Brasília e é um lugar de trabalho ritual e terapêutico. A pesquisa feita nos anos 1970 revela que nessa época a Aldeia contava com 86 residentes fixos, divididos em vinte e nove famílias, e uma população flutuante de cerca de 250 freqüentadores visitantes por ocasião dos Festivais ‘Mata Ki Te Rangui’ da Nova Era. Hoje vivem ao todo na Aldeia dos Exilados do Amanhecer dezoito pessoas, sendo apenas duas da casta sacerdotal das Ninfas e Centuriões de Capella.

A Aldeia dos Exilados do Amanhecer. Foto: Valério Azevedo ©2003

A Vigia da Miração

Antiga foto da Vigia da Miração (cerca dos anos 1990) autor desconhecido.

A Vigia da Miração foi uma edificação no interior de uma pequena propriedade rural nos beirais da Chapada da Contagem e local de observação celeste dos Peregrinos de Capella – uma espécie de retiro ou monastério, freqüentado somente por acólitos do Círculo Devocional dos Peregrinos de Capella. Quando a visitei, a construção se encontrava muito bem preservada e era com frequência utilizada. Da varanda principal era possível avistar-se o vale Zen, onde estão localizados o Pequeno e o Grande Monte Zen, lugares de meditação e culto durante a peregrinação dos Festivais da Nova Era. Também é dali avistado o Mirante de Maytréia, uma elevação do terreno debruçada sobre o vale, onde os adeptos da seita se reúnem para a prática de seus rituais. Embora todos estes atrativos naturais transformados em locais de culto e peregrinação, descobri que é na Vigia da Miração que acontecem as cerimônias de transfiguração, nas quais é distribuído o Vinho da Miração, uma substância ritual só acessível aos Peregrinos de Capella.

A Árvore Shiva-Nataraj

Isolado no interior da área rural dos arredores da Aldeia dos Exilados do Amanhecer, o altar ao deus dançarino se destaca na paisagem cerratense. Foto Valério Azevedo ©2004

No interior de um domo da cidade dos Exilados do Amanhecer encontrei um pequeno altar com um retrato emoldurado da Árvore Shiva-Nataraja, demonstrando a reverência que os exilados têm por ela. Verifiquei que o local é mencionado no Guia e pedi para conhece-lo, privilégio que me foi concedido somente alguns meses depois.

Soube pelos exilados, que em certas ocasiões as cerimônias ali realizadas incluem danças rituais Nataraj para o despertar da consciência e a expansão dos sentidos; que em determinados períodos do ano, durante o plenilúnio, somente as mulheres se aproximam da árvore, e que nos eclipses da lua o lugar é guardado por seguranças armados. Em uma dessas ocasiões notei com estranheza que os guardas estavam voltados na direção da árvore, como se a ela vigiassem, ao invés de guarda-la. Na noite em que me foi permitido presenciar uma cerimônia nataraj, houve uma fogueira nas proximidades da árvore, foram feitas danças ciganas e oferendas votivas ao deus dançarino.

A Vereda das Almécegas

A Vereda das Almécegas. Foto Valério Azevedo ©2008

Num aprazível atrativo natural situado no caminho da cidade de Brazlândia, no Distrito Federal, encontra-se a Vereda das Almécegas, que por razões de promoção turística teve seu nome alterado para Caminho da Cachoeira Rainha. O verdadeiro nome do lugar é Vereda das Almas Cegas. Ali, uma densa mata de galeria encobre córregos tributários do Ribeirão Dois Irmãos, emergindo em buritizais, poços e corredeiras que conduzem à exuberante cachoeira.

Tradições locais verificam que durante o ciclo do ouro nesta região do Goiás era comum a prática de cegar os escravos bateadores, para que retornando aos povoados não revelassem a localização de veios de ouro. A informação é refutada por historiadores, porém a fama do lugar dá margem a dúvidas sobre com quem está a razão. Seja como for, os moradores de Cafuringa evitam circular nos arredores da vereda ou perto da cachoeira, principalmente nas quintas-feiras santas ou em vésperas do dia de finados.

Cachoeira vista em noite de lua cheia. Foto: Valério Azevedo ©2008

O Caminho da Orla da Mata

Versipélio era a designação romana para a transformação do ser humano em qualquer tipo de animal ou pássaro, não apenas em lobo. Plínio, em sua História Natural, revela o meio pelo qual um homem se transformou num licântropo por nove anos. Segundo esse relato, algumas medidas devem ser observadas: despir-se, deixar as roupas sobre cinzas e fazer uma certa travessia numa certa data – tanto o dia quanto o local são determinantes para o sucesso da operação.

Orla da Mata na Serrinha do Paranoá. Foto: Valério Azevedo ©2003

A certa altura do sétimo volume da coleção Lugares Mágicos encontrei esta alarmante notícia. Nas imediações do que ao tempo das estradas reais de Goiás foi a Real Estrebaria da Contagem há um caminho. Margeia a ravina recoberta de densa vegetação nativa, ligando dois pontos sem importância em meio aos terrenos baldios do suntuoso Setor de Mansões do Lago Norte, na Serrinha do Paranoá, em Brasília. Local ermo e evitado pelos moradores da região, serve somente a uns poucos temerários que desejam encurtar caminho, ou àqueles que buscam o versipélio.

De acordo com Plutarco, na tradição romana das Lupercais (a festa dos lobos) é o funesto 15 de fevereiro – de februare, purificar – o dia escolhido para a februata, a corrida dos lobos. O sétimo exemplar da coleção Lugares Mágicos assinala, ainda, que no hemisfério sul esta data corresponde ao não menos infeliz 13 de agosto. No Brasil, a superstição que aponta agosto como o “mês do cachorro louco” pouco tem a ver com os surtos de cólera canina, que podem ocorrer em qualquer época do ano, porém indica aos interessados o momento propício à prática do licantropismo.

LT 15º35’00” LG: 47º58’30”

Salamanca oculta nos beirais da Chapada da Contagem. Foto: Valério Azevedo ©2003

Segundo o antropólogo argentino Daniel Granada, foi por volta do ano 1000 que nas cidades de Salamanca, Córdoba e Toledo, feiticeiros mouros introduziram no mundo cristão certas práticas de magia gentílica, realizadas no interior de cavernas e lugares subterrâneos. Todavia, a tradição de cerros encantados e grutas mágicas não têm pátria original, ocorrendo em todas as culturas em seu estado de infância: no Egito de Toth, na Irlanda de São Patrício, em Trofônio na Grécia, nas barrancas do Rio da Prata. O acesso a esses lugares é vedado. Para merecer entrar neles é necessário revestir-se de coragem e desapego à vida. Provas terríveis, cerimônias magníficas e a recompensa de impensáveis tesouros aguardam os que ali se arriscam. Foi assim, dizem, que o general Bento Manuel adquiriu a sorte que o favoreceu nos cenários desesperados da Guerra dos Farrapos.

No Centro Oeste brasileiro esses lugares se chamam “bocainas” e, em geral, ficam nos pés-de-serra, no fundo das ravinas, nos paredões. Quem se dirige ao município de Padre Bernardo, em Goiás, costeando a chapada mais a oeste do quadrilátero Cruls, se depara com um cenário raro de falésias. Numa delas, voltada para o oriente está a salamanca – a caverna mágica.

Publicado por vanaweb

Valério Azevedo nasceu na segunda metade do Século XX. O autor é, portanto, um baby-boomer. Cresceu assistindo televisão. Aos nove anos acompanhou, ao vivo, o homem caminhar pela primeira vez na superfície da Lua, porém sem cores. Há esse tempo, seriados de TV mostravam viajantes do espaço, do tempo e do fundo do mar combatendo monstros ameaçadores. Somente em 1973 a televisão no Brasil ganhou cores e ele passou a ver, sem assombro, negras silhuetas contra o céu azul despejarem a morte sobre a Indochina. Nessa época havia na casa dos seus avós um telefone que ele nunca usou. Anos mais tarde, em seu primeiro emprego, Valério conheceu o videoteipe. Invento extraordinário, que aprimorou a manipulação de imagens e sons, causando na narrativa audiovisual um sentimento algo instantâneo e urgente, e apaixonou-se por essa ideia. Pouco depois apareceram os primeiros computadores pessoais. Eles poderiam facilmente substituir máquinas de escrever e pilhas de papel, mas o autor os percebia apenas como brinquedos. Ele jogava xadrez com um deles e em sua esverdeada tela de fósforo encontrou inspiração para começar a escrever ficção. Com a chegada, no Brasil, do telefone celular e da rede mundial de computadores, em princípios dos anos 1990, a conexão entre as pessoas se intensificou incrivelmente. Ao mesmo tempo, a passagem de registros analógicos para digitais alterou de forma decisiva o modo de se produzir informação. Pouco depois da virada do milênio, o advento das redes sociais da internet foi o golpe de misericórdia na elaboração regulamentar de informações. Para o autor da página A Existência Virtual, “agora que os telefones fazem tudo, e até transmitem imagens e sons ao vivo, cada pessoa já pode se ocupar de espalhar sua precária e angustiada verdade, que a seguir se dissolverá como os entressonhos do alvorecer”. Então, decidiu retornar ao papel impresso, pois segundo ele, conforta-o a sensação do livro nas mãos e a ausência da barra de rolagem.

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